O Livro Preto de Ariel nos arrebata pela arte da palavra do guerreiro, poeta, escritor, narrador, personagem, que nos conduz com muita sensibilidade, amor e solidariedade, ao longo da trama, cuja verosimilhança nos faz torcer, sofrer, chorar junto.
A coragem de Ariel, sua bravura e honestidade, nos mostra uma história que pode estar acontecendo ao nosso lado, com tantos de nossos amigos/irmãos. É a história da Bahia, em cuja Terra da Felicidade, o muro do apartheid foi construído desde sempre.
Um muro que pode ser simbolizado por uma ponte/viaduto. De um lado, o shopping mais antigo da cidade e a vitrine das madames; o templo do capital, ladeado pelo Templo do Bispo. No lado oposto, a Rodoviária, lugar de partida e chegada da gente indesejada, da gente que constrói a riqueza do Estado.
A ponte, ao invés de interligar, separa. É a divisão histórica que interdita a passagem de corpos negros. Corpos que tentam se equilibrar na vida, na inserção social, cuja melodia, muda a cada passo e é a senha para a retirada de corpos negros do salão principal.
Não há equilibro na ponte do terror, em frente ao Templo do Consumo e ao Templo Religioso. Só há exploração. É uma das denúncias de Ariel. Há tantas outras:
Ponte definha auto estima, dificulta caminhar; interdita, aparta, separa. A ponte do racismo estrutural estruturado. Ponte que subalterniza, diminui a expectativa de vida; assassina corpos pretos, corpos de anjos, de jovens, de todos que tenham a cor da noite. Ponte que embranquece histórias, nega ancestralidades; sincretiza fé.
Ponte que transforma meninos em mulas dos bacanas. Ponte que livra os bacanas e acusa, julga, condena, encarcera e mata aos meninos-mulas.
A ponte da interdição tem vários outros lados: o lado dos eleitos, juízes, partidos políticos, bispos, ditadura uniformizada, imprensa sensacionalista, pessoas de ‘bem’; o lado dos eleitores, eleitos para morrer pela melanina, pelo CEP, pela parede sem reboco, pelo esgoto escorrendo na quebrada.
No meio da ponte, a LEI, em cujas folhas brancas, está descrita a guerra às drogas, cujo principal objetivo é matar em nome da lei, invadir casa, assassinar, dar sumiço aos corpos, praticar racismo institucional. Uma “Lei” que só pende para perseguir um lado, o lado de quem tem a pele da cor da noite, como uma sentença hereditária, decidida pelos invasores do país, seguida pelos novos colonos, pela proclamação da república, pelos sucessivos golpes e espoliações de bens e direitos.
No meio da ponte a lei, que protege aqueles que moram nesses chamados bairros nobres, como o personagem Dr. Renato, protegido do pai, do tio, do avô e que dirige um grande escritório. Uma sucessão de cabeças brancas, sucessoras, herdeiras, justiceiras, cujos crimes nunca foram denunciados, e quando foram, tiveram um batalhão de habeas corpus para os livrarem. Afinal, são eles que fazem as ‘leis’, definem o ‘devido processo legal’, e são donos das indústrias de encarcerar corpos negros. O lucro é de uma ponta a outra.
Esses bandidos de colarinho branco nunca cumpriram uma prisão, sempre tiveram o aparato jurídico, o livro das leis, escrito por eles mesmos, interpretados para se auto-protegerem. São os sócios do genocídio, ganham medalhas, estátuas, constroem prisões, vencem editais e enriquecem impunemente, explorando a vida e a morte de jovens como os doze do Cabula. É uma verdadeira indústria que funciona desde os Navios Negreiros.
Ariel é um personagem desse grande teatro macabro, que sofre as opressões de um Estado Genocida e cruel. Um entre milhares. A luta dele por restaurar sua humanidade passa pelas letras, pela leitura e escrita de poesia. Em sua biblioteca particular, Carolina Maria de Jesus, Machado de Assis, Cruz e Souza, Solano Trindade, Ricardo Aleixo, Sérgio Fantini, Landê Onawalê, Cuti Silva, Conceição Evaristo. Amparado por uma revolução de mulheres, consegue criar vidas paralelas, voltar ao passado e conhecer guerreiros do Quilombo do Orubu, de Zeferina, e prossegue sua luta contra a opressão.
Uma saga viva, cujos personagens estão ao nosso lado, em comunidades, escolas, saraus de poesia, caminhadas e passeatas, todos os dias, numa luta incessante por justiça, pelo direito à existência! Uma leitura mais que necessária e urgente, O Livro Preto de Ariel é um manual de proteção à Vida!
Contato do autor do livro? Clique aqui: Hamilton Borges.
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