Pular para o conteúdo principal

Pandemia x Pandemônio

Interessante observar como os humanos se comportam nas crises, como agora na COVID-19. Em razão das Mídias Sociais, ficou ainda mais fácil observar o fenômeno da busca de explicações para o que atinge a todos, sem exceções. Cada pessoa tem suas próprias convicções e, com liberdade, defende seus pontos de vista com maior ou menor empenho. Mas, exageros de alguns, oportunismos de outros à parte, a pandemia é real. Quem não tomar todos os cuidados estará em risco de contrair o vírus e até morrer.

Ricardo Viveiros - Foto: Divulgação

Já, por outro lado, o pandemônio causado pela pandemia é um fenômeno comportamental, gerado por boa parcela da sociedade. Foi o inglês John Milton que, em 1667, cunhou o neologismo em seu poema épico "Paraíso Perdido", escrito em período de muita agitação política e religiosa do século XVII, assim como estamos vivendo agora. Em 2012, foi lançado no Brasil o romance antiutópico "Pandemônio", da escritora norte-americana Lauren Oliver, que também aborda o tema. Seja sob que prisma, a expressão supõe a vida na imaginária "capital do Inferno".

Há quem acredite em "depurações" da humanidade. Em catástrofes que, de tempos em tempos, acontecem para dar uma "arrumadinha" na Terra. Alguns esotéricos e religiosos resgatam profecias de Nostradamus a Raul Seixas, passando por Bill Gates. E o mais interessante é que fundamentam suas teorias, encontram palavras, frases, indícios que soam como grandes verdades.

Alguns, justamente preocupados com a sobrevivência depois da crise, optam pela teoria da conspiração. A China, que se tornou potência ameaçadora do ponto de vista dos negócios, estaria usando o vírus para o "reequilíbrio" do mercado internacional em um momento que a balança lhe é desfavorável. Para estes mais céticos, chineses são capazes de tudo para ganhar dinheiro. A fantasia é de que desenvolveram o vírus para, já com a cura descoberta por eles mesmos, comercializar o remédio em todo o Mundo. Sem falar da venda de máscaras, testes e outros produtos para o enfrentamento do mal que eles mesmo teriam causado.

Há os militantes políticos que estão convencidos - e tentam nos convencer a todo custo -, que a China desenvolveu uma arma química, um vírus de laboratório para dominar de vez o Planeta. Implantar o comunismo na ladeia global. E esta tese vai muito além apenas do aspecto comercial. Quem sabe, até mesmo, esses incontroláveis chineses pretendam conquistar também o universo? E nossos ativistas políticos, circunspectos, advertem com as sobrancelhas cerradas: "Comunistas comem criancinhas!".

Os humoristas estão se divertindo, os cartunistas fazendo do traço a troça, todos nos oferecendo momentos de diversão em meio a tanta tristeza e temor pela contaminação e suas duras consequências. Entre as centenas de piadas que circulam, está a que afirma ser cientificamente comprovado que o uso intenso de alho evita a COVID-19. Afinal, todas as pessoas ficarão a mais do que um metro e meio de você...

A imprensa também não escapou dos ataques de alguns nesta pandemia, vítima da incompreensão de certas correntes desde a última campanha eleitoral. Para um determinado grupo, o noticiário é tendencioso e só contempla os que morreram. Os que seguem vivos e saudáveis não têm sido mencionados. Também não tem informado os inúmeros casos de remédios caseiros capazes de evitar, ou até mesmo curar, qualquer problema causado pelo novo coronavírus. Tem que afirme que um determinado chá, feito pela avó de um vizinho, tem sido injustiçado ao não aparecer nas manchetes da mídia.

O fato, não as versões dele, é que para enfrentar a pandemia com união, cuidados e muita responsabilidade, a começar das autoridades públicas, não se pode cair nas armadilhas das paixões políticas, religiosas, econômicas, comportamentais etc. O brasileiro é pacífico, tem boa índole, trabalha e produz com alegria. Mas, por problemas históricos de educação e cultura, muitas vezes se comporta com ingenuidade diante de pregações radicais.

A hora é de respeito a si mesmo e ao semelhante, união e responsabilidade. Repensar seu negócio, criar novas soluções, atender às expectativas dos consumidores. Inovar! Vamos vencer esta crise, como fizemos diante de tantas outras que nos têm afligido desde sempre. Mas, não será entrando no pandemônio que sairemos da pandemia. Lucidez, já!


Por Ricardo Viveiros 
Jornalista e escritor. Autor, dentre outros livros, de "Todo mundo disse que não ia dar certo", "Educação S/A", "Empreender é viver" e "Justiça seja feita"

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Morrre, aos 80 anos, o escritor iguaiense Gramiro de Matos - 'Ramirão' - um dos representantes da literatura no Tropicalismo

Faleceu na manhã de hoje (7), aos 80 anos, o escritor iguaiense Ramiro Silva Matos Neto, que assinava seus livros como Gramiro de Matos ou ainda Ramirão ão ão. Um dos representantes na literatura do movimento tropicalista, ou Tropicália, juntamente com seus dois parceiros Waly Salomão e Torquato Neto. Gramiro de Matos - Foto: Mário Cravo Neto O velório e sepultamento acontecem amanhã (8), a partir das 9 horas, na Sala 06 no Cemitério Bosque da Paz, em Salvador. Gramiro de Matos, o tropicalismo e a poesia marginal Gramiro de Matos - Foto: Mário Cravo Neto (colorizada artificialmente) A poesia marginal teve um momento marcante com o lançamento da coletânea 26 poetas hoje (1975), organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Nessa coletânea, Heloísa faz um balanço de todo o período, publicando lado a lado a nova geração e alguns dos poetas que já estavam envolvidos com outros movimentos culturais, como o tropicalismo e a marginália. Waly Salomão, Torquato Neto, José Carlos Capinan e Duda Ma...

Cacau Novaes entrevista Nego Jhá: 'Vem pro cabaré'

Nêgo Jhá é uma banda do interior da Bahia, da cidade de Iguaí, situada no Centro Sul do estado, criada em janeiro de 2018, por Guilherme Santana e Gabriel Almeida, através de u ma simples brincadeira entre amigos, que resultou em um trabalho profissional.  A banda já contabiliza mais de 30 milhões de visualizações no YouTube com suas músicas, entre elas, destaca-se “Cabaré”, música de trabalho gravada por artistas famosos, que compartilharam vídeos, que viralizaram na internet, ouvindo e dançando o hit do momento em todo o Brasil. Até no BBB21 da Rede Globo já tocou a música dos garotos. Foto: Divulgação Confira abaixo a entrevista com os integrantes da Nego Jhá: Cacau Novaes - Como surgiu a ideia de criar Nego Jhá? Como tudo começou?  Nego Jhá -  Através de uma brincadeira entre mim, Guilherme, e meu amigo Gabriel, que toca teclado.  No início não tínhamos em mente de que isso se tornaria algo profissional, pensamos apenas em gravar por diversão e resenha. Ca...

Descobridor de talentos, Sérgio Mattos celebra os 20 anos de 40⁰ Models

Sérgio Mattos celebra os 20 anos de sua 40º Models e reflete sobre o legado construído nessas duas décadas Sérgio Mattos - Foto: Reprodução/Facebook   Gisele Bündchen  era ainda uma menina quando fez sua primeira viagem internacional como modelo. O destino era a ilha de Ibiza, o balneário e já epicentro da ferveção na Espanha. Ao lado dela, seu primeiro  booke r:  Sergio Mattos . Couber a ele descobrir e lançar  Isabeli Fontana ,  Rômulo Arantes Neto  e  Raica Oliveira , entre outros nomes reunidos por Serginho, como é conhecido, na  40º Models , agência criada por ele em 25 de outubro de 2004, há exatos 20 anos. Foto:  Vicente de Paulo – Parece que foi ontem e, por outro lado, quando a gente se dá conta, parece que já dura uma eternidade – reconhece o empresário por telefone, tendo como fundo musical a clássica gravação de “Something” na voz dos Beatles.  – Afinal, são gerações e gerações que despontaram aqui e que estão inseridas ...

Maravilhas do conto português para o leitor brasileiro

Depois de  A cidade de Ulisses , Teolinda Gersão, uma das mais importantes contistas e romancistas da literatura portuguesa contemporânea, lança agora no Brasil  Alice e outras mulheres , uma antologia de contos organizada por Nilma Lacerda. Se, em  A cidade de Ulisses , está Lisboa no poema épico de Homero, em "Alice in Thunderland", conto que fecha a nova antologia, a escritora portuguesa revisita a personagem de Lewis Carrol, registrando a sua versão da história: “Vou repor a verdade e contar eu mesma a história, tal como agora a contei, em pensamento”. O livro conta com textos já publicados por Teolinda ao longo de seus 40 anos de trajetória literária, no entanto, esta organização publicada pela editora Oficina Raquel é inédita para o público brasileiro. Por trás da escolha dos contos que compõem a seleta, está o objetivo de mostrar todo o poder do feminino, ainda que muitas vezes silenciado e, neste sentido, nada melhor do que uma das mais célebre...

Os morcegos estão comendo os mamãos maduros, de Gramiro de Matos

Sim, morcegos de fato comem mamãos, ou mamões maduros, mas, não é sobre morcegos nem sobre mamões o segundo e que eu saiba, derradeiro romance de Gramiro de Matos, ou Ramiro de Matos, ou Ramirão Ão Ão, cujo subtítulo, é,”O besta y a doida”, é sobre... Bem, é sobre lombrigas e angústia, sobre o que fazer da vida, seja você um viadinho suburbano, uma filha de deputado, um bêbado amante da filha do deputado, um maconheiro, um pintor ensandecido, um atropelado, ou duas belas jovens pegando carona na Rio-Bahia. O livro é sobre o belo e o horroroso da vida, que você pode passar com dor ou com muita dor. A escolha é sua, ou talvez não, mas, porém, contudo e entretanto, “O besta y a doida”, que mistura português com espanhol, James Joyce ( seu Jaime, para os chegados) com Gregório de Matos, os tupis e os atlantes, não é um livro triste, pelo contrário, é um livro até esperançoso, Macunaíma dos anos 70,embora o autor prefira Oswald a Mário de Andrade, mas o que sabe um autor do livro que...