O historiador Yuval Harari, em seu livro Sapiens, argumenta que os seres humanos se distinguem dos demais animais pela sua capacidade de inventar e compartilhar histórias. Segundo Harari, as histórias compartilhadas unem os seres humanos em sociedades. A força de coesão de um grupo depende da força do compartilhamento das histórias.
Chamamos de mito as histórias mais antigas que nossos ancestrais inventaram e compartilharam. Mitos narram acontecimentos grandiosos que envolvem personagens heroicos cujo desfecho, na maioria das vezes, é trágico. Mito não é sinônimo de mentira. Os mitos transportam significados que atribuímos ao mundo e contribui para organizá-lo dentro e fora da nossa cabeça. É dos mitos que os discursos ideológicos e políticos tiram sua força e, com isso, formatam condutas socialmente aceitas.
Uma das histórias que possui muita força na nossa cultura e que esculpe as nossas relações de gênero encontra-se no livro do Gênesis (2:21-23), do Antigo Testamento. Consta que após ter criado o mundo e o primeiro homem, Adão, Deus fez o homem cair em um sono profundo. Enquanto Adão dormia, Deus tirou-lhe uma costela e, com ela, Deus fez a mulher "carne da minha carne". Adão chamou a mulher de Eva.
O relato proporciona duas interpretações. A primeira é que Deus fez a mulher para o homem, pois entendeu que não era bom que o homem ficasse só. Assim, a mulher não foi criada por seu valor intrínseco, mas para alguém, para algo. É um instrumento, um acessório, uma assistente, uma acólita. A segunda é que a mulher é um apêndice do homem. A imagem servil e submissa é até hoje transmitida pela cultura que nomeamos de patriarcal.
Mesmo que a versão dominante seja a patriarcal, um caminho de transformação é compreender que não existe uma versão universal, singular de masculinidade. Há maneiras plurais do ‘ser homem’ e do ‘ser mulher’ que não cabem em uma única caixa.
Por Jorge Miklos
Sociólogo e analista junguiano. Dirige uma pesquisa sobre as masculinidades no mundo contemporâneo
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