Pular para o conteúdo principal

Portugal lamenta morte de Rubem Fonseca com homenagens de políticos, escritores e críticos literários

A morte do escritor brasileiro Rubem Fonseca gera grande repercussão em Portugal, seja na imprensa, no circuito cultural, com direito até a homenagem oficial. Em meio ao silêncio das autoridades brasileiras, o presidente português não deixou de reverenciar a obra do autor.


Foto: Divulgação

Em uma nota oficial publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa deixa “uma palavra de homenagem ao observador atento de um outro Brasil, ao escritor desenvolto, ao mestre da língua concisa e precisa”, lê-se no texto. Para o presidente português, Rubem Fonseca foi um “ficcionista de referência” para “as gerações nascidas na segunda metade do século passado”.

“Ao invés do humanismo combativo e amável de (Jorge) Amado, a obra de Rubem Fonseca representou o Brasil desencantado, violento, às vezes cínico, um Brasil urbano, 'americano', distante da imagem ruralista da ficção brasileira que sempre foi tão lida em Portugal”, completa o presidente.

Esse diferencial na escrita de Fonseca foi um divisor de águas para a literatura brasileira no país, analisa o consultor de cultura da Presidência da República e crítico literário Pedro Mexia. “Tínhamos muito a marca dos escritores brasileiros que foram muito populares, mas que escreviam sobre o Nordeste, sobre as fazendas, essa mitologia mais rural e ancestral. Rubem Fonseca foi o contato com um outro Brasil. Da violência, de uma certa crueza, quer nas histórias que ele contava, quer no estilo muito sucinto”, diz Pedro Mexia à RFI.

Relação com Portugal

Filho de pais portugueses, Rubem Fonseca ressaltava a herança familiar. Na última aparição pública que fez em Portugal, em 2012, quando foi premiado pelo livro "Bufo & Spallanzani" no festival Correntes d’Escritas, o autor fez um discurso forte sobre as raízes lusitanas.

O crítico Pedro Mexia fez parte do júri do festival. Não chegou a ser apresentado ao escritor, mas conta as lembranças.

“Aquilo que ficou marcado para todos foi a sua constante referência, que aliás está nos livros também, às coisas portuguesas, não só aos pais, mas também à gastronomia, aos vinhos, e à própria língua portuguesa. Lembro que ele teve um discurso em que falava da língua portuguesa com uma espécie de entusiasmo que até os portugueses têm algum pudor às vezes, em falar do português dessa maneira”.

Também foi em Portugal que o autor recebeu o Prêmio Camões, em 2003, considerado a maior honraria literária da língua portuguesa. “José Rubem, querido amigo, maravilhoso e genial cultor da língua portuguesa, choram-no milhares de leitores portugueses, que todos os anos esperavam ansiosos pelo seu novo livro. Palavras precisas e sóbrias narram histórias duras, impiedosas para os falsos e os corruptos, onde a morte era sempre derrotada pela ironia e pela cultura”, escreve João Duarte Rodrigues, da Sextante Editora, que publica a obra de Rubem Fonseca em Portugal.

Presidente da Fundação José Saramago e viúva do escritor português Nobel de Literatura, Pilar del Rio manifestou a tristeza pela morte de Fonseca pelas redes sociais. “Estou sem palavras. Tinha paixão, humor e lágrimas. Um grande. Descanse em paz”, escreveu.

Expoente da atual geração de escritores lusófonos, o português Valter Hugo Mãe se diz “desolado” com a morte de Rubem Fonseca. “Querido amigo, querido magnífico escritor que tanto me honrou, tanto me inspirou. Adeus, Mestre. Obrigado por tudo”, publicou nas redes sociais, junto com uma foto dos dois.

Outro nome de referência, José Eduardo Agualusa ressalta a importância do brasileiro para a própria formação. “Tenho todos os livros dele e continuarei a lê-lo, como sempre o leio quando preciso me sentir inquieto para escrever. Escritores morrem quando deixam de ter leitores. Rubem continuará a ter leitores”, publicou.

Nascido em Minas Gerais em 1925, Rubem Fonseca morreu na quarta-feira (15), depois de sofrer um infarto em casa, no Rio de Janeiro. O autor completaria 95 anos no próximo dia 11 de maio.

A obra premiada contabiliza ainda seis prêmios Jabuti, o maior da literatura no Brasil, e um prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras.



Caroline Ribeiro, de Lisboa para a RFI

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Beiju de coco da Nenzinha pode virar livro infantil

O livro "História sua e minha: beiju de coco da Nenzinha", conta para o público infantil como foi a criação do beiju de Coco no Território do Recôncavo pelas mãos de Amália Santana no ano de 1976. Paula Anias - Foto: Reprodução/Redes sociais O beiju de coco faz parte da tradição da culinária do recôncavo baiano e conhecer sua história é preservar uma memória muitas vezes esquecida. Essa iguaria foi criada por Amália Santana, uma mulher negra, residente na localidade do Ponto Certo, situada no município de Sapeaçu. Ela realizou um processo de empreendedorismo econômico no Recôncavo baiano beneficiando centenas de famílias com esse oficio. Quem é a autora deste livro? Paula Anália Anias é historiadora, pesquisadora do tema e escreveu o texto que vai compor o livro. Em entrevista ao site G1 ela disse como chegou até Dona Nenzinha: “Fizemos um álbum iconográfico, no qual o aluno devia encontrar um patrimônio histórico ainda não tombado em seu município. Aí descobrimos essa mulher...

'Rosa Tirana', filme do diretor poçoense Rogério Sagui, estreia na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes

O filme "Rosa Tirana", produzido e dirigido pelo poçoense Rogério Sagui, estreia em grande estilo, ao participar da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes , em Minas Gerais, um dos mais importantes festivais de cinema do país. O longa-metragem, filmado no interior da Bahia, conta com a participação do ator José Dumont e tem também Elba Ramalho em sua trilha sonora. Foto: Divulgação "Rosa Tirana", que será exibido na "Mostra Aurora", dia 25 de janeiro, às 20h, conta a história da menina Rosa, que, em uma terra banhada de sol, durante a maior seca que o sertão nordestino já viveu, mergulha em uma longa travessia pela caatinga árida e fantasiosa, em busca de um encontro com Nossa Senhora Imaculada, a rainha do sertão. Com um tom perspicaz, a trama é envolvida por um amálgama de fatores que, na aridez da paisagem retratada, torna-se fertilizante para a compreensão do drama humano, a partir do olhar da pequena protagonista. Maior evento dedicado ao cinema brasileir...

Sérgio Mattos: Bernardo Rabello, nova aposta da moda nacional

Diversas campanhas em homenagem ao mês do orgulho LGBTQI+ se tornaram comuns no período, mas não podemos esquecer que tem apenas uma década que as pessoas transexuais conseguiram cavar alguma representatividade no setor. Bernardo Rabello - Foto: Rayane Caetano Ainda temos um grande caminho a percorrer e o new face da 40 Graus, Bernardo Rabello, vem trilhando um belo caminho, respeitando sua orientação sexual, correndo atrás dos seus sonhos e objetivos de sucesso no mercado da moda e na carreira de ator.  Sérgio Mattos - Foto: Reinaldo Hingel Natural de Resende, município no sul do Rio de Janeiro, é atualmente o primeiro operário trans (operador de máquinas) entre os mais de 100 mil funcionários da fabricante de pneus Michelin na América Latina, e ainda criou o primeiro grupo LGBTQI+ de sua cidade, com foco em transição. Aliás, esse trabalho de apoio o deixa muito satisfeito, quando é procurado por adolescentes de Resende que têm dúvidas sobre transição. Ele, no grupo, busca levar o...

Cacau Novaes entrevista Nego Jhá: 'Vem pro cabaré'

Nêgo Jhá é uma banda do interior da Bahia, da cidade de Iguaí, situada no Centro Sul do estado, criada em janeiro de 2018, por Guilherme Santana e Gabriel Almeida, através de u ma simples brincadeira entre amigos, que resultou em um trabalho profissional.  A banda já contabiliza mais de 30 milhões de visualizações no YouTube com suas músicas, entre elas, destaca-se “Cabaré”, música de trabalho gravada por artistas famosos, que compartilharam vídeos, que viralizaram na internet, ouvindo e dançando o hit do momento em todo o Brasil. Até no BBB21 da Rede Globo já tocou a música dos garotos. Foto: Divulgação Confira abaixo a entrevista com os integrantes da Nego Jhá: Cacau Novaes - Como surgiu a ideia de criar Nego Jhá? Como tudo começou?  Nego Jhá -  Através de uma brincadeira entre mim, Guilherme, e meu amigo Gabriel, que toca teclado.  No início não tínhamos em mente de que isso se tornaria algo profissional, pensamos apenas em gravar por diversão e resenha. Ca...

Descobridor de talentos, Sérgio Mattos celebra os 20 anos de 40⁰ Models

Sérgio Mattos celebra os 20 anos de sua 40º Models e reflete sobre o legado construído nessas duas décadas Sérgio Mattos - Foto: Reprodução/Facebook   Gisele Bündchen  era ainda uma menina quando fez sua primeira viagem internacional como modelo. O destino era a ilha de Ibiza, o balneário e já epicentro da ferveção na Espanha. Ao lado dela, seu primeiro  booke r:  Sergio Mattos . Couber a ele descobrir e lançar  Isabeli Fontana ,  Rômulo Arantes Neto  e  Raica Oliveira , entre outros nomes reunidos por Serginho, como é conhecido, na  40º Models , agência criada por ele em 25 de outubro de 2004, há exatos 20 anos. Foto:  Vicente de Paulo – Parece que foi ontem e, por outro lado, quando a gente se dá conta, parece que já dura uma eternidade – reconhece o empresário por telefone, tendo como fundo musical a clássica gravação de “Something” na voz dos Beatles.  – Afinal, são gerações e gerações que despontaram aqui e que estão inseridas ...